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Informativo STJ 847 Comentado

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1.          Apelação e juízo de issibilidade: competência exclusiva do Tribunal

Indexador

Disciplina: Direito Processual Civil

Capítulo: Recursos

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

O juiz de primeiro grau não pode initir apelação sob o C/2015; essa competência é exclusiva do Tribunal. A decisão que obsta o processamento do recurso deve ser impugnada por reclamação. No âmbito de execução ou cumprimento de sentença, ite-se agravo de instrumento.

REsp 2.072.867-MA, REsp 2.072.868-MA, REsp 2.072.870-MA (Tema 1267), Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/3/2025, DJEN 8/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 1.010, § 3º, do C/2015 retira do juiz de primeiro grau a competência para exercer juízo de issibilidade sobre a apelação.

???? A decisão que inite apelação no 1º grau usurpa a competência do Tribunal e deve ser impugnada por reclamação (art. 988, I, C).

???? Em fase de execução, é possível agravo de instrumento contra o indeferimento da apelação, nos termos do parágrafo único do art. 1.015 do C.

???? A modulação de efeitos ite, excepcionalmente, a fungibilidade para correição parcial, agravo de instrumento ou mandado de segurança antes do precedente vinculante.

???? O princípio da boa-fé impede o uso de pedido de nova avaliação após arrematação, salvo se formulado oportunamente.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou a medida adequada contra decisão do juiz de primeiro grau que inite apelação, à luz do C/2015.

⚖️ Para o STJ:

• Tal decisão viola o art. 1.010, § 3º, e deve ser corrigida por reclamação, salvo em execução ou cumprimento de sentença, onde cabe agravo.

• A fungibilidade recursal é possível apenas até a fixação da tese no Tema 1267.

• Não cabe mandado de segurança nem correição parcial quando houver via adequada.

Como será Cobrado em Prova

???? A decisão do juiz de 1º grau que inite a apelação deve ser impugnada por agravo de instrumento em qualquer fase do processo.

❌ Errado. Fora da fase de execução ou cumprimento de sentença, a medida cabível é a reclamação (art. 988, I, C).

???? Cabe ao juiz de primeiro grau a competência para exercer juízo de issibilidade sobre a apelação.

❌ Errado. O art. 1.010, § 3º, do C/2015 retira do juiz de primeiro grau a competência para exercer juízo de issibilidade sobre a apelação s.

Versão Esquematizada

???? Inissão de Apelação pelo Juízo de 1º Grau
???? C, art. 1.010, § 3º – juiz não decide issibilidade ???? Reclamação (art. 988, I, C) é a via adequada ???? Fase de execução: cabe agravo de instrumento ???? Não cabe MS ou correição parcial se houver via própria ???? Tema 1267 – modulação permite fungibilidade até o precedente

Inteiro Teor

     A controvérsia em debate envolve, num primeiro momento, a interpretação do art. 1.010, § 3º, do C, o qual determina que incumbe ao Juízo a quo, diante de uma apelação interposta, possibilitar o contraditório (§§ 1º e 2º) e, na sequência, apenas remeter os autos ao Tribunal ad quem, independentemente do exercício de juízo de issibilidade.

     Porém, se assim não o fizer o magistrado, procedendo à análise da issibilidade do recurso e, após, concluindo por sua inissão, não remeter a apelação ao respectivo Tribunal, surgirão, num segundo momento, alguns questionamentos acerca de qual a medida processual cabível para impugnar tal decisão do Juiz de primeira instância, bem como acerca da possibilidade de aplicação, quando necessário e possível, do princípio da fungibilidade recursal.

     Quanto à primeira questão processual, é de sabença que, sob a égide do C de 1973, o magistrado de primeiro grau detinha competência para exercer juízo de issibilidade da apelação, nos termos do artigo 518.

     A partir da entrada em vigor do C de 2015, continuou-se a exigir a interposição da apelação perante o primeiro grau de jurisdição. Nada obstante, retirou-se do juiz a competência para analisar os requisitos de issibilidade do recurso, cabendo-lhe, a partir de então, determinar tão somente a intimação do apelado (e do apelante se houver recurso adesivo) para apresentar contrarrazões, conforme previsto no § 3º do artigo 1.010.

     Assim, após respeitados os prazos para apresentação de contrarrazões, o juiz da causa deverá remeter os autos da apelação ao Tribunal, que distribuirá o recurso imediatamente, cabendo ao relator (com amparo no artigo 1.011): (i) decidi-lo monocraticamente nas hipóteses dos incisos III a V do artigo 932 (não conhecendo do recurso inissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; negando provimento ao recurso contrário à súmula ou a precedente qualificado; ou dando provimento ao recurso dirigido contra decisão que contraria súmula ou precedente qualificado); ou (ii) elaborar voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado se não for o caso de decisão monocrática.

     Diante desse quadro normativo, é certo que a competência tanto para a análise dos requisitos de issibilidade da apelação quanto para o julgamento do mérito recursal é exclusiva do Tribunal de segundo grau.

     Doutrina abalizada pontua, contudo, que, “nas situações em que a própria lei confere competência para o juízo de primeiro grau se retratar de sua sentença diante da interposição de apelação” (artigos 331, caput , 332, § 3º, e 485, § 7º, do C de 2015; e 198, inciso VII, do ECA), pode-se sim falar em uma “competência implícita para o exercício de juízo de issibilidade”, mas adstrita a um juízo positivo que autorize a retratação.

     Nesse sentido, é certo que o não recebimento da apelação configura ofensa ao § 3º do artigo 1.010 do C, caracterizando usurpação da competência do Tribunal, o que atrai o cabimento de reclamação, consoante previsto no inciso I do artigo 988 do diploma processual.

     Sobre o tema, destaca-se o Enunciado n. 207 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, segundo o qual: “Cabe reclamação, por usurpação da competência do tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que initir recurso de apelação”.

     Por outro lado, não se mostra cabível o agravo de instrumento previsto no artigo 1.015 do C, em qualquer fase processual e tipo de processo, contra a decisão do magistrado de primeiro grau que indefere o processamento da apelação, mesmo diante da tese jurídica firmada pela Corte Especial por ocasião do julgamento do Tema Repetitivo n. 988/STJ, qual seja, “O rol do art. 1.015 do C é de taxatividade mitigada, por isso ite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação” (REsps n. 1.704.520/MT e 1.696.396/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 5/12/2018, DJe de 19/12/2018).

     No que diz respeito à fase de conhecimento, o sistema do C de 2015 preconiza que somente as decisões interlocutórias que versem sobre as questões enumeradas no rol do artigo 1.015 são recorríveis de imediato via interposição de agravo de instrumento. As demais questões resolvidas na fase cognitiva – que não retratem as hipóteses do artigo 1.015 – devem ser suscitadas posteriormente, em preliminar de apelação (eventualmente interposta contra a decisão final) ou nas respectivas contrarrazões (artigo 1.009 do C).

     De outro lado, à luz do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do C, é agravável toda e qualquer decisão interlocutória proferida: (i) na fase de liquidação ou de cumprimento de sentença; (ii) no processo de execução; e (iii) no processo de inventário.

     Os repetitivos acima enumerados – que trataram do Tema 988/STJ – dizem respeito às decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento, tendo sido firmada a tese da taxatividade mitigada do rol do artigo 1.015 do C, itindo-se, assim, a interposição de agravo de instrumento “quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.

     Nesse contexto, a excepcionalidade indicada nos repetitivos – urgência decorrente da “inutilidade do julgamento diferido” – diz respeito a decisões interlocutórias proferidas antes da prolação da sentença (e que, portanto, antecedem o momento em que possível a interposição da apelação), não compreendendo, assim, o debate sobre a usurpação da competência para análise dos pressupostos de issibilidade do referido recurso, matéria que deve ser objeto de reclamação (artigo 988, inciso I, do C).

     Desse modo, o agravo de instrumento do artigo 1.015 do C não figura como um dos meios impugnativos cabíveis contra a decisão do juiz de primeira instância que, na fase de conhecimento, obsta o processamento da apelação, ao arrepio do § 3º do artigo 1.010. Isso por se tratar de evidente usurpação da competência do Tribunal, contra a qual cabe o imediato manejo de reclamação, não se podendo falar, portanto, em “julgamento diferido” capaz de gerar a inutilidade da prestação jurisdicional.

     Porém, já no âmbito de execução ou de cumprimento de sentença revela-se cabível agravo de instrumento, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do C.

     Ademais, não cabe mandado de segurança contra a decisão do juiz de primeira instância que inite a apelação. No caso, revela-se cabível a reclamação para preservação da competência do Tribunal, nos termos do inciso I do artigo 988 do C. Destarte, é inadequado cogitar a impetração de mandado de segurança com a mesma finalidade.

     Outrossim, em havendo medida processual específica para impugnar a decisão do magistrado de piso que inite a apelação, também se mostra descabida a utilização da figura da correição parcial.

     Por fim, reconhece-se que, até o julgamento dos presentes repetitivos, havia dúvida razoável no sistema legal vigente sobre a medida impugnativa apropriada para destrancar a apelação initida pelo juiz de primeiro grau, motivo pelo qual não há falar em erro grosseiro daquele que apresentou correição parcial ou agravo de instrumento antes do deslinde da questão jurídica em debate.

     Consequentemente, modulam-se os efeitos da decisão no sentido de que, até a data da publicação dos acórdãos referentes ao Tema Repetitivo n. 1.267/STJ, é possível, com base no princípio da fungibilidade e em caráter excepcional, o recebimento da correição parcial (ou do agravo de instrumento previsto no caput do artigo 1.015 do C ou de mandado de segurança) como a reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inite a apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado.

2.         Desistência em desapropriação: honorários sucumbenciais

Indexador

Disciplina: Direito istrativo / Direito Processual Civil

Capítulo: Ações Expropriatórias

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

Na desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou constituição de servidão istrativa, os honorários sucumbenciais devem observar os percentuais do art. 27, § 1º, do DL 3.365/1941, calculados sobre o valor atualizado da causa, salvo se este for muito baixo, hipótese em que caberá arbitramento equitativo.

REsp 2.129.162-MG e REsp 2.131.059-MG (Tema 1298), Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 27, § 1º, do DL 3.365/1941 estabelece norma especial para arbitramento de honorários em ações expropriatórias.

???? Em caso de desistência, a base de cálculo dos honorários é o valor atualizado da causa, e não a diferença entre oferta e indenização.

???? O autor expropriante é considerado sucumbente por força do princípio da causalidade.

???? Os percentuais do DL 3.365/1941 continuam aplicáveis mesmo na ausência de sentença condenatória.

???? Apenas quando o valor atualizado da causa for irrisório, aplica-se o art. 85, § 8º, do C, para fixação equitativa.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou a base de cálculo e os percentuais aplicáveis aos honorários sucumbenciais quando o poder público desiste de ação de desapropriação ou servidão istrativa.

⚖️ Para o STJ:

• A desistência não elimina a sucumbência do ente público.

• A norma especial do DL 3.365/1941 permanece aplicável quanto aos percentuais.

• Só se ite arbitramento equitativo quando a base for demasiadamente baixa.

Como será Cobrado em Prova

???? A desistência da ação de desapropriação afasta a incidência dos percentuais previstos no DL 3.365/1941 para fixação de honorários.

❌ Errado. O STJ entendeu que os percentuais continuam aplicáveis mesmo em caso de desistência, salvo exceção quanto à base de cálculo ínfima.

???? Quando o valor da causa na ação de desapropriação for muito baixo, os honorários devem ser arbitrados por equidade, com base no art. 85, § 8º, do C.

✅ Correto. O STJ ite a exceção apenas para evitar quantias incompatíveis com a dignidade da atuação profissional.

Versão Esquematizada

???? Honorários em Desapropriação – Desistência
???? DL 3.365/1941, art. 27, § 1º – percentuais aplicáveis ???? Base de cálculo: valor atualizado da causa ???? Princípio da causalidade: expropriante é sucumbente ???? Valor ínfimo: arbitramento equitativo (art. 85, § 8º, C) ???? Tema 1298 – tese fixada com eficácia vinculante

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia em definir se os limites percentuais previstos no art. 27, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941 devem ser observados no arbitramento de honorários sucumbenciais em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão istrativa.

     A previsão do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941 veio para estabelecer normas especiais para os honorários advocatícios em ações expropriatórias seja quanto à base de cálculo de tal verba, seja quanto aos percentuais que devem incidir sobre a base arbitrada. Embora amalgamadas em um único preceito (texto), subsiste relativa independência entre as normas jurídicas contidas no dispositivo legal, de modo que alterações circunstanciais na base de cálculo não devem afastar, obrigatoriamente, a incidência da lex specialis relativa aos percentuais estabelecidos para o arbitramento dos honorários advocatícios.

     Assim, em havendo desistência da ação de desapropriação ou de constituição de servidão istrativa, é evidente que cai por terra a possibilidade de arbitramento dos honorários sucumbenciais tomando por base de cálculo a diferença entre o preço ofertado pelo expropriante e a indenização fixada na sentença, tal como previsto em norma especial inserida no texto do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941, uma vez que a sentença, nessa excepcional circunstância, não estabelecerá indenização alguma.

     Nesse cenário ocasional, embora não haja condenação, o princípio da causalidade impõe que o ente (não mais) expropriante seja declarado sucumbente de modo que os honorários correrão a sua conta, porque deu causa ao ajuizamento da demanda e dela desistiu (art. 90 do Código de Processo Civil).

     À falta de condenação ou de proveito econômico efetivo, já foi dito que não há e jurídico para o estabelecimento da base de cálculo dos honorários nos moldes do art. 27, § 1º, do DL 3.365/1941, de modo que essa base será fixada de acordo com norma jurídica supletiva prevista no art. 85, § 2º, do C, tomando-se em conta, então, o valor atribuído à causa.

     O socorro à norma supletiva do C faz-se porque não existe e jurídico para a aplicação da norma especial do DL 3.365/1941 apenas no que toca à base de cálculo dos honorários sucumbenciais. Ora, a desistência da ação não implica desaparecimento do e jurídico de aplicação dessa lex specialis, de modo que não há razão jurídica para se recorrer, quanto aos percentuais, a outras normas jurídicas que pudessem ser aplicadas de forma supletiva ou subsidiária.

     Dessarte, mesmo em caso de desistência da ação expropriatória, os percentuais a serem observados devem ser os estabelecidos no art. 27, § 1º, do DL3.365/1941.

     Ressalte-se, contudo, que haverá casos em que o valor da causa, mesmo que atualizado, corresponderá a valor ínfimo a implicar honorários irrisórios caso aquele valor seja mantido como base para a incidência das alíquotas do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941.

     Nessa excepcional hipótese, portanto, afasta-se completamente a aplicação do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941 para a fixação dos honorários sucumbenciais – seja quanto à base de cálculo estabelecida no preceito, seja quanto aos percentuais ali estabelecidos -, uma vez que a verba honorária será arbitrada pelo juiz por apreciação equitativa, com fundamento no art. 85, § 8º, do C, a fim de impedir que a verba honorária seja fixada em patamar incompatível com a dignidade do trabalho advocatício.

     Dessa forma, deve ser fixada a seguinte tese jurídica de eficácia vinculante: Aplicam-se os percentuais do art. 27, § 1º, do DL 3.365/41 no arbitramento de honorários sucumbenciais devidos pelo autor em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou desconstituição de servidão istrativa, os quais terão como base de cálculo o valor atualizado da causa. Esses percentuais não se aplicam somente se o valor da causa for muito baixo, caso em que os honorários serão arbitrados por apreciação equitativa do juiz, na forma do art. 85, § 8º, do C.

3.        Tempo especial e eficácia do EPI: ônus da prova e presunção favorável ao trabalhador

Indexador

Disciplina: Direito Previdenciário

Capítulo: Aposentadoria Especial

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Procuradorias

Destaque

A informação no PPP sobre o uso de EPI eficaz descaracteriza, em regra, o tempo especial, mas havendo dúvida relevante quanto à eficácia da proteção, a conclusão deve ser favorável ao trabalhador.

REsp 2.082.072-RS, REsp 2.116.343-RJ e REsp 2.080.584-PR (Tema 1090), Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 57 da Lei 8.213/1991 garante aposentadoria especial ao segurado sujeito a condições nocivas.

???? O STF (Tema 555) já decidiu que, se o EPI neutraliza a nocividade, afasta-se o direito ao benefício.

???? A anotação positiva de EPI no PPP gera presunção de neutralização do agente nocivo.

???? O ônus da prova da ineficácia do EPI é do autor da ação previdenciária (art. 373, I, C).

???? Em caso de dúvida razoável sobre a eficácia do EPI, aplica-se o in dubio pro misero em favor do segurado.

Discussão e Tese

???? O STJ precisou definir o efeito da anotação de EPI eficaz no PPP e a quem compete o ônus da prova quanto à sua real eficácia.

⚖️ Para o STJ:

• A anotação de EPI eficaz presume a ausência de nocividade.

• Cabe ao trabalhador desconstituir a presunção com prova clara de ineficácia.

• Havendo dúvida relevante, a decisão deve favorecer o segurado.

Como será Cobrado em Prova

???? A anotação de EPI eficaz no PPP é irrelevante, devendo sempre ser reconhecido o tempo especial em caso de possível exposição a agente nocivo.

❌ Errado. O STJ reconhece que a anotação gera presunção de neutralização da nocividade, que pode ser afastada com prova em contrário.

???? Havendo divergência sobre a eficácia do EPI, o reconhecimento do tempo especial deve ser feito mediante prova tarifária.

❌ Errado. O STJ aplica o princípio do in dubio pro misero nesse contexto, mesmo com ônus probatório do segurado.

Versão Esquematizada

???? EPI e Tempo Especial – Tema 1090
???? PPP com EPI eficaz gera presunção contra o tempo especial ???? Ônus da prova: trabalhador deve demonstrar ineficácia ???? Art. 373, I, C e Tema 555/STF ???? Dúvida relevante: presume-se eficácia inválida ???? Reconhecimento do tempo especial favorece o autor

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia repetitiva a dirimir: 1) Se a anotação positiva no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) quanto ao uso do Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz comprova o afastamento da nocividade da exposição aos agentes químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física. 2) Qual das partes compete o ônus da prova da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), em caso de contestação judicial da anotação positiva no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP).

     Quanto à matéria em dicussão, tem-se que a legislação previdenciária reconhece direito à aposentadoria especial, a qual consiste em uma jubilação com tempo de trabalho reduzido “ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física” (art. 57 da Lei n. 8.213/1991).

     De fato, o uso do EPI eficaz descaracteriza o tempo especial, de acordo com a jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal entende que o “direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial” (Tema 555 da Repercussão Geral, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014).

     É importante lembrar que a contagem de tempo especial não é um fim em si mesmo. A legislação privilegia a promoção da higiene e da segurança do trabalho, buscando reduzir ou eliminar a exposição a agentes nocivos. Apenas nos casos em que não é possível eliminar ou reduzir a nocividade, é aceitável expor o trabalhador a agentes agressivos.

     O empregador tem o dever de registrar o perfil profissiográfico. Mas, também, é beneficiado caso consiga eliminar ou reduzir a exposição a agentes nocivos, com o correspondente desconto no adicional contributivo previsto no art. 22, II, Lei n. 8.212/1991.

     O processo judicial buscando o cômputo de tempo especial não tem participação do empregador. A previdência, por seu lado, assegura o financiamento da aposentadoria especial ou da redução de tempo para a aposentadoria por tempo de contribuição.

     A confiança nesse sistema é importante para todas as partes envolvidas. Se o trabalhador e os respectivos sindicatos não forem incentivados a, permanentemente, exigir um melhor ambiente de trabalho, a promoção da higiene e da segurança laboral sairá prejudicada. Por sua vez, os empregadores não têm incentivo para investir em tecnologias de proteção, se terminarem por arcar com os custos do adicional contributivo, em razão da superação cotidiana e imotivada das medidas de proteção em processos previdenciários nos quais não têm participação.

     Por tudo isso, ainda que, individualmente, o reconhecimento do tempo especial beneficie o trabalhador, o efeito sistêmico é perverso.

     De qualquer forma, o que se tem é uma documentação da relação de trabalho, a qual se tem, em princípio, por legítima. O PPP é uma exigência legal e está sujeito a controle por parte dos trabalhadores e da istração pública (art. 58, §§ 1º a 4º. da Lei n. 8.213/1991). Assim, desconsiderar, de forma geral e irrestrita, as anotações desfavoráveis ao trabalhador, é contra a legislação e causa efeitos deletérios à coletividade de trabalhadores.

     Dessa forma, a anotação no PPP, em princípio, descaracteriza o tempo especial, de modo que, se o segurado discordar, deve desafiar a anotação, fazendo-o de forma clara e específica.

     Quanto ao ônus probatório, a legislação atribui ao segurado o ônus de comprovar o fato constitutivo do seu direito. A exposição a agentes nocivos é fato constitutivo do direito ao tempo especial. Logo, o ônus da prova incumbe ao requerente, aplicando-se o art. 373, I, do C.

     Além disso, não estão presentes as hipóteses de redistribuição do ônus da prova, na forma do art. 373, § 1º, do C. Assim, o que autoriza a revisão da regra geral prevista no caput do mencionado artigo é a assimetria de dados e informações, mas não a hipossuficiência econômica.

     Nesse contexto, o aparato estatal tem a competência para fiscalizar, mas não tem protagonismo na documentação da relação de trabalho (art. 58, § 3º, da Lei n. 8.213/1991; art. 68, §§ 7º e 8º do Decreto 3.048/1999), sendo que a prova é mais fácil para o segurado do que para o INSS, uma vez que foi o segurado quem manteve relação com a empregadora, conhece o trabalho e tem condições de complementar ou contestar informações constantes do PPP.

     Conforme a orientação estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, em “caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a istração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial” (Tema 555 da Repercussão Geral, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014), ou seja, ainda que o ônus da prova seja do segurado, não se é exigente quanto ao grau de certeza a ser produzida. Basta que o segurado consiga demonstrar que há divergência ou dúvida relevante quanto ao uso ou a eficácia do EPI para que obtenha o reconhecimento do direito.

     Por tudo isso, o ônus da prova é do segurado. No entanto, o standard probatório é rebaixado, de forma que a dúvida favorece o trabalhador.

4.       Creditamento de IPI: direito estende-se à industrialização de produtos imunes

Indexador

Disciplina: Direito Tributário

Capítulo: Tributos Federais / IPI

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

O direito ao creditamento de IPI previsto no art. 11 da Lei 9.779/1999 abrange a aquisição tributada de insumos aplicados na industrialização de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes, afastando-se interpretação restritiva quanto à saída de produtos imunes.

REsp 1.976.618-RJ e REsp 1.995.220-RJ (Tema 1247), Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 11 da Lei 9.779/1999 assegura o creditamento do IPI sobre insumos tributados aplicados na industrialização de produtos desonerados.

???? A palavra “inclusive” no dispositivo legal inclui os produtos imunes na regra de creditamento.

???? A imunidade tributária não exclui o direito ao crédito, pois está expressamente contemplada na norma.

???? O STJ já reconhecia o direito ao crédito em saídas de produtos isentos e com alíquota zero.

???? O industrial tem direito ao crédito sempre que os insumos forem tributados e o produto final resultar de industrialização, mesmo imune.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se o creditamento de IPI se aplica à industrialização de produtos imunes, diante da redação do art. 11 da Lei 9.779/1999.

⚖️ Para o STJ:

• O dispositivo legal inclui expressamente as saídas imunes, e não apenas isentas ou com alíquota zero.

• Não se trata de extensão indevida de benefício, mas de interpretação literal da norma.

• A diferenciação entre produtos “NT” (não tributados) e imunes é fundamental: só os imunes estão abarcados.

Como será Cobrado em Prova

???? O direito ao creditamento de IPI exige que o insumo adquirido seja tributado e que o produto final seja industrializado, ainda que imune.

✅ Correto. A jurisprudência reconhece o direito ao crédito quando esses requisitos estão presentes.

???? A saída de produto imune não dá direito ao creditamento de IPI, pois a imunidade equivale a não incidência.

❌ Errado. O STJ entendeu que a imunidade está contemplada no art. 11 da Lei 9.779/1999 e dá direito ao crédito, se houver industrialização com insumo tributado.

Versão Esquematizada

???? Creditamento de IPI – Tema 1247
???? Art. 11 da Lei 9.779/1999 – “inclusive produtos imunes” ???? Insumo tributado + industrialização = direito ao crédito ???? Imunidade ≠ ausência de industrialização ???? Produtos “NT”: só se industrializados e imunes ???? Interpretação literal e não extensiva do benefício fiscal

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia quanto à abrangência do benefício fiscal instituído pelo art. 11 da Lei n. 9.779/1999, a fim de definir se há direito ao creditamento de Imposto sobre Produto Industrializado – IPI na aquisição de insumos e matérias-primas tributados (entrada onerada), inclusive quando aplicados na industrialização de produto imune; ou se tal benefício dá-se apenas quando utilizados tais insumos e matérias-primas na industrialização de produtos isentos ou sujeitos à alíquota zero. A questão de direito controvertida foi assim delimitada: “A possibilidade de se estender o creditamento de IPI previsto no art. 11, da Lei n. 9.779/99 também para os produtos finais não tributados (NT), imunes, previstos no art. 155, § 3º, da CF/88”.

     Acerca da possibilidade de creditamento, tem-se que tal hipótese não decorre de suposta extensão do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 para hipótese ali não prevista, mas, ao contrário, da compreensão fundamentada de que tal situação (produto não tributado, imune) está contida na norma em exame, sobretudo ao utilizar o termo “inclusive”.

     Sobre a matéria, a Primeira Seção do STJ já perfilhou o entendimento de que é cabível o aproveitamento do saldo de IPI decorrente das aquisições de insumos tributados nas saídas de produtos industrializados imunes, a teor do art. 11 da Lei 9.779/1999 (EREsp n. 1.213.143/RS, rel. Ministra Assusete Magalhães, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 2/12/2021, DJe de 1/2/2022).

     Com efeito, o adequado exame a respeito do alcance do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 não autoriza, para fins interpretativos, a supressão de expressão contida na norma – afinal, não há palavras inúteis contidas na lei -, tampouco o seu deslocamento, a fim de correlacioná-la a outra expressão ali contida, a redundar em sua completa descaracterização. A supressão do termo “inclusive” altera substancialmente o conteúdo da norma, reduzindo indevidamente seu alcance, a redundar em seu completo desvirtuamento.

     Portanto, as regras propugnadas, com adstrição aos termos contidos no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 somente podem ter o seguinte teor: i) o saldo credor do IPI acumulado poderá ser objeto de compensação ou ressarcimento; e ii) “os créditos decorrentes da entrada de insumos destinados à industrialização, INCLUSIVE de produtos isentos ou tributados à alíquota zero, poderão compor o saldo credor”.

     A partir de tais considerações, deve-se afastar, peremptoriamente, a tese de malversação do art. 111 do Código Tributário Nacional, que exorta a interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção. Isso porque, o reconhecimento do direito ao creditamento não decorre de suposta extensão do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 para hipótese ali não prevista, mas, ao contrário, da compreensão fundamentada de que tal situação (produto imune) está contida na norma em exame, sobretudo ao utilizar o termo “inclusive”.

     De seus termos, verifica-se que o dispositivo legal estabelece os requisitos necessários à manutenção do crédito de IPI auferido nas operações de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização; bem como explicita – notadamente ao utilizar a expressão “inclusive” – que este benefício não se restringe às saídas de produto isento ou sujeito à alíquota zero, mas, sim, também o assegura nesses casos, de modo a não excluir outras hipóteses de saída desonerada (como se dá na hipótese remanescente de produto imune).

Para a concretização do aproveitamento do crédito de IPI, a lei exige a verificação dos seguintes requisitos: i) a realização de operação de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, sujeita à tributação de IPI (de cujo crédito se pretende aproveitar); e ii) a submissão do bem adquirido ao processo de industrialização (transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento ou reacondicionamento e renovação ou recondicionamento), especificado no art. 4º do Regulamento do IPI (Decreto n. 7.212/2010).

       Verificadas, assim, a aquisição de insumos tributados e a sua utilização no processo de industrialização, o industrial faz jus ao creditamento de IPI, afigurando-se desimportante, a esse fim, o regime de tributação do imposto na saída do estabelecimento industrial, já que é assegurado tal direito, inclusive, nas saídas isentas e nas sujeitas à alíquota zero.

     Diante do critério legal adotado para a viabilizar o direito ao crédito de IPI, mostra-se necessário distinguir os produtos contidos na TIPI (Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados), especificamente aqueles sob a rubrica “NT” – Não Tributado. Nesses (sob a rubrica “NT”), incluem-se produtos que, por sua natureza, encontram-se fora do campo de incidência do IPI, já que não são resultantes de nenhum processo de industrialização; e outros que, ainda que derivados do processo de industrialização, por determinação constitucional, são imunes ao tributo em comento.

     Assim, de acordo com o critério adotado pela norma, se o produto – resultado do processo de industrialização de insumos tributados na entrada – é imune, o industrial faz jus ao creditamento. Se, ao contrário, o produto não é resultado do processo de industrialização de insumos tributados, sua saída, ainda que desonerada, não enseja direito ao creditamento de IPI. Veja-se que, nesse caso, o direito ao creditamento não se aperfeiçoa porque não houve submissão ao processo de industrialização, e não simplesmente porque o produto encontra-se sob a rubrica “NT” na TIPI.

     A tese a ser conformada pela Primeira Seção, portanto, deve considerar que: i) o direito ao creditamento de IPI estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 abrange a saída de produtos imunes (afastando-se qualquer termo que conduza à ideia de aplicação extensiva do benefício fiscal à hipótese supostamente não constante da norma, do que não se cuida); e ii) a necessidade de utilizar o termo “produtos imunes” (e não, genericamente, “produtos não tributados”, pois, nos termos da fundamentação supra, o benefício fiscal em exame abrange a saída de produtos industrializados isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes (e não todos aqueles constantes da TIPI – Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – sob a rubrica “NT” – Não Tributado).

     Diante da compreensão ora externada, deve ser fixada seguinte tese jurídica: O creditamento de IPI, estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.799/1999, decorrente da aquisição tributada de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização, abrange a saída de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes.

5.        Execução fiscal de multa por improbidade: cabimento e legitimidade do ente público lesado

Indexador

Disciplina: Direito istrativo

Capítulo: Improbidade istrativa

Área

Magistratura

Ministério Público

Procuradorias

Destaque

É cabível a execução fiscal para cobrança de multa aplicada em sentença por ato de improbidade istrativa, desde que instruída com CDA. O ente público lesado é parte legítima para promover a execução.

REsp 2.123.875-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 1/4/2025, DJEN 4/4/2025.

Conteúdo-Base

???? A multa por improbidade configura crédito não tributário, ível de inscrição em dívida ativa (art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964).

???? A LEF (Lei 6.830/1980) ite execução de créditos não tributários mediante CDA.

???? A legitimidade ativa é do ente público lesado, conforme interpretação conforme do art. 17 da LIA (ADI 7.042 e ADI 7.043).

???? O cabimento da execução fiscal não exclui a via do cumprimento de sentença.

???? A escolha da via é discricionária da Fazenda Pública, desde que respeitados os requisitos legais.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se a execução fiscal é meio hábil para cobrança de multa por improbidade e se o ente público prejudicado pode propor a ação.

⚖️ Para o STJ:

• A multa tem natureza de crédito público e se enquadra como dívida ativa não tributária.

• A Fazenda lesada tem legitimidade ativa ordinária para a cobrança.

• A via da execução fiscal é válida, desde que haja CDA regular.

Como será Cobrado em Prova

???? A execução fiscal é cabível apenas para cobrança de créditos tributários, devendo a multa por improbidade ser executada por cumprimento de sentença.

❌ Errado. O STJ reconhece que multas por improbidade podem ser executadas fiscalmente, se inscritas em dívida ativa.

???? O ente público prejudicado por ato de improbidade tem legitimidade para promover a execução fiscal da multa aplicada.

✅ Correto. O STF, em controle concentrado, reconheceu essa legitimidade ao interpretar o art. 17 da LIA.

Versão Esquematizada

???? Execução Fiscal de Multa por Improbidade
???? Multa = crédito público → dívida ativa não tributária ???? Art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964 ???? LEF autoriza execução com CDA ???? Ente público lesado: legitimidade ordinária ???? ADI 7.042 e 7.043 – interpretação conforme art. 17 da LIA

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia em saber se é cabível a execução fiscal para cobrança de multa aplicada em sentença de improbidade istrativa e se o ente público lesado possui legitimidade ativa para propor tal execução.

     A execução fiscal consiste na execução judicial para a cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias, disciplinada pela Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal – LEF), a ser necessariamente instruída com a Certidão de Dívida Ativa – CDA.

     A CDA, a seu turno, é proveniente de um procedimento istrativo denominado inscrição em dívida ativa, consistente no controle istrativo da legalidade, a fim de apurar a liquidez e a certeza do crédito – tributário ou não tributário – definido na Lei n. 4.320/1964, no âmbito de uma relação jurídica de direito público.

     Segundo a intelecção que se extrai do art. 2º, § 2º, da LEF, através de interpretação gramatical, a dívida ativa não tributária possui acepção ampla, podendo englobar créditos variados da Fazenda Pública provenientes da lei, do contrato ou de decisão judicial – que não se amoldem no conceito de dívida ativa tributária -, pelo explícito uso da expressão “demais créditos da Fazenda Pública”, seguido da locução “tais como”, enumerando, exemplificativamente, as hipóteses de dívida ativa não tributária, nas quais se inserem, com destaque: “multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias”, “indenizações” e “alcances dos responsáveis definitivamente julgados”.

     Assim, verifica-se que a cobrança judicial dos créditos da Fazenda Pública, tributários ou não tributários, através da execução fiscal, possui grande abrangência.

     Por outro lado, a satisfação das obrigações de pagar quantia reconhecidas em sentença se submete à fase de cumprimento de sentença – e não a um processo autônomo de execução -, em razão do sincretismo processual vigente no ordenamento jurídico pátrio desde o advento da Lei n. 11.232/2005.

     Além disso, dispõe o C/2015, em seu art. 515, I, que a execução dos títulos executivos judiciais – entre os quais se inserem as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa – dar-se-á segundo a sua Parte Especial, Livro I, Título II.

     A par dessas premissas, evidencia-se que o cabimento do cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia não exclui, por si só, a via processual da execução fiscal, facultando-se à pessoa jurídica de direito público credora a escolha do procedimento que melhor lhe aprouver, desde que, neste último (execução fiscal), inscreva o título executivo judicial líquido na dívida ativa, ensejando a emissão da respectiva e imprescindível CDA, a caracterizar os pressupostos da certeza, liquidez e exigibilidade.

     Nesse sentido, impossibilitar a utilização da execução fiscal somente pela possibilidade de cobrança do crédito através do cumprimento de sentença caracterizaria negativa de vigência aos arts. 1º e 2º da LEF e 39, § 2º, da Lei n. 4.320/1964, que conferiram à dívida ativa não tributária vasto alcance.

     Na hipótese, tratando-se de sentença condenatória ao pagamento de multa pela prática de ato de improbidade istrativa, há perfeita subsunção do crédito exequendo ao disposto no art. 39, § 2º, da Lei n. 4.320/1964, que insere no conceito de dívida ativa não tributária “multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias”, afigurando-se inquestionável a possibilidade de utilização, tanto do cumprimento de sentença, quanto da execução fiscal, para a cobrança dessa multa fixada em sentença, desde que atendidos os respectivos requisitos de cada procedimento executivo.

     Em relação à legitimidade ativa para a referida execução, considerando o entendimento do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade concentrado (ADIs n. 7.042 e n. 7.043), que deu interpretação conforme sem redução de texto ao art. 17 da Lei n. 8.429/1992 (com redação dada pela Lei n. 14.230/2021) – no sentido de que o ente público lesado possui legitimidade ativa (ordinária) para a ação de improbidade istrativa -, é de se reconhecer também a legitimidade ativa da Fazenda Pública interessada para a propositura da execução fiscal da multa fixada na sentença proveniente de ato de improbidade, sobretudo por ser a destinatária dos respectivos valores, não se aplicando o disposto no art. 13 da Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LA), segundo o qual tais montantes serão destinados a um fundo específico.

6.        Indenização securitária e inimputabilidade do beneficiário

Indexador

Disciplina: Direito Civil

Capítulo: Contratos de Seguro

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Destaque

O beneficiário inimputável que agrava o risco em contrato de seguro não age com dolo civilmente relevante; por isso, não perde o direito à indenização securitária.

REsp 2.174.212-PR, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, Rel. originário Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025, DJEN 7/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 768 do Código Civil estabelece que o segurado perde o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco.

???? A inimputabilidade no Direito Civil impede o reconhecimento de dolo, pois pressupõe ausência de manifestação de vontade válida.

???? O beneficiário inimputável realiza ato-fato jurídico, e não ato ilícito em sentido técnico.

???? A analogia com o art. 768 é válida, mas exige intenção dolosa, ausente nos inimputáveis.

???? A ausência de dolo inviabiliza a aplicação da cláusula de perda de cobertura.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se um filho inimputável que causou a morte da mãe segurada perde o direito à indenização do seguro.

⚖️ Para o STJ:

• A perda da cobertura exige agravamento intencional do risco.

• A inimputabilidade civil impede o reconhecimento de vontade juridicamente eficaz.

• Não se aplica a cláusula de exclusão sem a comprovação de dolo do beneficiário.

Como será Cobrado em Prova

???? A cláusula de perda da garantia securitária por agravamento do risco depende da prova de conduta dolosa do beneficiário.

✅ Correto. O requisito da intencionalidade é indispensável, e a inimputabilidade afasta a voluntariedade civilmente relevante.

???? O beneficiário inimputável que agrava o risco do seguro, ainda que sem dolo, perde o direito à indenização.

❌ Errado. O STJ entende que, sem intenção dolosa, não se aplica a exclusão da garantia.

Versão Esquematizada

???? Seguro e Ato de Beneficiário Inimputável
???? Art. 768 CC – perda da cobertura exige dolo ???? Inimputabilidade: ausência de vontade válida ???? Ato-fato jurídico ≠ ato ilícito ???? Sem dolo: cobertura mantida ???? Interpretação conforme art. 4º da LINDB e princípio da boa-fé objetiva

Inteiro Teor

     A controvérsia consiste em decidir se deve ser concedida a indenização securitária ao filho beneficiário que, em declarada incapacidade (surto esquizofrênico), ceifa a vida da genitora segurada.

     A lacuna legislativa acerca da possível atividade ilícita do beneficiário no momento do sinistro foi preenchida apenas recentemente, por meio do art. 69 da Lei n. 15.040/2024, em vacatio legis até 10/12/2025.

     Em atenção à vedação ao non liquet, verificado o hiato legislativo à época dos fatos, deve-se decidir o processo de acordo com “a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”, nos termos do art. 4º da Lei Geral de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

     Dessa forma, por analogia, pode-se utilizar o art. 768 do Código Civil (CC), o qual estabelece que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”. A interpretação teleológica do dispositivo, permite que a referida norma alcance não apenas o segurado, mas também o beneficiário.

     Como consequência, nos contratos de seguro também prévios à Lei n. 15.040/2024, perderá o direito à garantia o beneficiário que agravar consciente e intencionalmente o risco objeto do contrato segurado.

     Por sua vez, o elemento da voluntariedade opera de modo diverso no âmbito cível e no criminal. Enquanto na seara penal, a inimputabilidade está no terceiro substrato do conceito analítico de crime (fato típico, ilícito e praticado por agente culpável); para o Direito Civil, a inimputabilidade é pressuposto da livre manifestação de vontade. Isto é, trata-se de elemento prévio à averiguação da intenção (dolo ou culpa) do agente.

     Nesse contexto, o sujeito inimputável ou incapaz, quando realiza ato contrário ao direito, não pratica ato jurídico ilícito propriamente dito, pois, conforme ensina a doutrina, os atos jurídicos (lícitos ou ilícitos) exigem a capacidade de exteriorizar a vontade. Ao contrário, o inimputável pratica um ato-fato jurídico, o qual será ível de indenização, o qual será ível de indenização, tendo em vista que a ausência de vontade não o exime, nem o seu representante legal, de reparar os danos causados a terceiros (art. 928 do CC).

     Destarte, a averiguação acerca da intenção e voluntariedade de determinado indivíduo está umbilicalmente relacionada à sua imputabilidade e à sua capacidade de manifestar livremente a sua vontade – o que não dispõe o inimputável.

     Ou seja, se o beneficiário, consciente e intencionalmente, agrava o risco, aplica-se a sanção legal (perda do direito ao benefício assegurado). Por outro lado, se houve o agravamento do risco – sem que seja possível identificar a manifestação de vontade, dada a inimputabilidade do beneficiário – não é possível aplicar o art. 768 do CC.

     Logo, não há vontade civilmente relevante em sua conduta e, como tal, não há intenção dolosa apta a afastar o direito à indenização.

7.        Pedido de reavaliação do bem após arrematação

Indexador

Disciplina: Direito Processual Civil

Capítulo: Execução

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

É inissível o pedido de nova avaliação do bem após a arrematação, sob pena de ofensa à boa-fé, à cooperação processual e à segurança jurídica; a reavaliação deve ser requerida antes da expropriação.

REsp 1.692.931-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/3/2025, DJEN 27/3/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 683 do C/1973 exige que o pedido de nova avaliação seja feito antes da arrematação ou adjudicação.

???? A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a avaliação só pode ser questionada dentro do processo executivo e de modo oportuno.

???? A impugnação tardia, via ação anulatória, fere a boa-fé objetiva e a estabilidade dos atos processuais.

???? A defasagem da avaliação não justifica, por si só, a nulidade da arrematação.

???? A preclusão endoprocessual impede revisão extemporânea da avaliação.

Discussão e Tese

???? O STJ avaliou se a arrematação poderia ser anulada por alegação de preço vil com base em avaliação defasada, questionada apenas após a alienação.

⚖️ Para o STJ:

• A parte tem o dever de se manifestar oportunamente, sob pena de preclusão.

• A impugnação tardia desestabiliza a segurança dos atos judiciais.

• O princípio da cooperação impõe conduta processual leal desde o curso da execução.

Como será Cobrado em Prova

???? A avaliação defasada pode ser questionada a qualquer tempo, inclusive após a arrematação, mediante ação anulatória.

❌ Errado. O STJ entende que a parte deve se manifestar antes da alienação judicial, sob pena de preclusão e violação da boa-fé.

???? A ausência de manifestação tempestiva sobre a avaliação do bem impede posterior anulação da arrematação com base em preço vil.

✅ Correto. A jurisprudência reafirma a importância da boa-fé e da estabilidade processual.

Versão Esquematizada

???? Reavaliação e Preço Vil após Arrematação
???? C/1973, art. 683 – reavaliação antes da alienação ???? Pedido extemporâneo → preclusão ???? Boa-fé objetiva e segurança jurídica ???? Ação anulatória não supre omissão no processo executivo ???? Arrematação estável se não impugnada oportunamente

Inteiro Teor

     A controvérsia se origina de um pedido de anulação de arrematação sob o argumento de que o bem imóvel arrematado teria sido alienado por preço vil, tendo em vista o transcurso de mais de quatro anos entre a avaliação do bem e a efetiva expropriação.

     A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao tempo do Código de Processo Civil de 1973 (C/1973), tendo em vista o art. 683, assinalava que o pedido de reavaliação do bem penhorado deveria ser feito antes de ultimada a adjudicação ou arrematação, sendo inissível sua apresentação em momento posterior.

     No caso analisado, não se tem propriamente um pedido de reavaliação do bem formulado no bojo da mesma execução; mas, ao contrário, uma ação autônoma, pleiteando a nulidade da arrematação por falta de avaliação atualizada do bem.

     Nesse caso, não faz sentido discutir, com base no art. 683 do C/1973, sobre a ocorrência ou não de preclusão, por se tratar de um fenômeno endoprocessual, isto é, que ocorre dentro de uma mesma relação processual. Não faz sentido, em suma, afirmar que, o pedido de nova avaliação com base no art. 683 do C/73 pode ser formulado a qualquer tempo e até mesmo de ofício porque avesso à preclusão.

     Dessa forma, quando referido pedido for formulado extemporaneamente, mas dentro da mesma relação processual, não poderá ser conhecido em razão da preclusão. E, quando formulado em posterior ação anulatória, não poderá ser conhecido em razão da boa-fé e da segurança jurídica.

     Logo, se a parte interessada tem a possibilidade e o ônus processual de questionar o valor da avaliação até o momento da praça, não parece razoável itir que ela possa quedar-se silente para, posteriormente, ajuizar uma ação anulatória com fundamento numa suposta defasagem no valor da avaliação. Tal comportamento não condiz com a boa-fé objetiva, com o princípio da cooperação entre os agentes do processo e, principalmente, com a segurança que se espera dos atos estatais.

8.       Supervisão judicial na recuperação: nova redação do art. 61 da LRF

Indexador

Disciplina: Direito Empresarial

Capítulo: Recuperação Judicial

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

A nova redação do art. 61 da Lei 11.101/2005, introduzida pela Lei 14.112/2020, não se aplica a planos de recuperação judicial homologados sob a vigência da norma anterior; prevalece a vontade dos credores quanto ao prazo de carência.

REsp 2.181.080-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 61 da LRF, antes da reforma, vinculava a supervisão judicial ao cumprimento das obrigações vencíveis em dois anos.

???? A Lei 14.112/2020 desvinculou o biênio do início dos pagamentos, estabelecendo regra clara e objetiva.

???? A nova norma não alcança atos processuais praticados antes de sua vigência, segundo a teoria do isolamento dos atos processuais (art. 14 do C).

???? O prazo de carência aprovado pelos credores vincula o início da supervisão judicial nos planos antigos.

???? O Judiciário não pode alterar unilateralmente o que foi deliberado em assembleia de credores.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se a nova regra do art. 61 da LRF se aplica a processo em que o plano e sua homologação antecedem a reforma legislativa.

⚖️ Para o STJ:

• Os atos processuais praticados antes da entrada em vigor da nova lei permanecem regidos pela norma antiga.

• A deliberação dos credores quanto ao prazo de carência vincula o juízo recuperacional.

• A interferência judicial violaria a autonomia privada e a segurança jurídica.

Como será Cobrado em Prova

???? Planos de recuperação homologados antes da Lei 14.112/2020 continuam regidos pela redação anterior do art. 61 da LRF.

✅ Correto. A jurisprudência respeita a teoria do isolamento dos atos processuais e a autonomia negocial dos credores.

Versão Esquematizada

???? Supervisão Judicial e Prazo de Carência
???? LRF, art. 61 – redação nova não retroage ???? Teoria do isolamento dos atos processuais (C, art. 14) ???? Vontade dos credores prevalece ???? Juiz não altera o plano aprovado ???? Aplicação restrita da Lei 14.112/2020 a atos futuros

Inteiro Teor

     A controvérsia se origina de recuperação judicial, na qual foi apresentado plano de recuperação judicial e aditivos, aprovados pelos credores, com a previsão de carência de 48 (quarenta e oito) meses para o início do pagamento da maior parte dos débitos.

     O plano de recuperação judicial e a decisão que concedeu a recuperação judicial são anteriores à entrada em vigor das alterações trazidas pela Lei n. 14.112/2020. E o julgamento do agravo de instrumento que originou o recurso especial é posterior à referida alteração legislativa.

     Dessa forma, a discussão consiste em definir se é aplicável a atual redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005, que dispõe expressamente que o prazo de dois anos para a supervisão judicial independe do período de carência previsto no plano de recuperação judicial, aos processos de recuperação nos quais o plano e sua homologação são anteriores à alteração legislativa trazida pela Lei n. 14.112/2020.

     A redação anterior do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 dispunha que o devedor permaneceria em recuperação judicial até que se cumprissem todas as obrigações previstas no plano que vencessem até dois anos depois da concessão da recuperação judicial.

     Na época, havia discussões, basicamente, de duas ordens: (i) acerca da possibilidade de o juízo da recuperação judicial encerrar o processo antes do decurso do biênio de supervisão judicial e (ii) na hipótese de o plano prever carência para início de seu cumprimento, qual seria o termo inicial para contagem do prazo de supervisão judicial.

     A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes da alteração da redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 pela Lei n. 14.112/2020, era no sentido de que não havia impedimento à previsão de carência para início dos pagamentos dos credores assíncrona à supervisão judicial do juízo da recuperação.

     A nova redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 sanou tanto a discussão acerca da possibilidade de encerramento da recuperação judicial antes do decurso do biênio de supervisão quanto do termo inicial da supervisão judicial nos casos em que o plano trouxer previsão de carência para início de seu cumprimento.

     O legislador tornou claro que a ratio do dispositivo é que cabe aos credores decidir acerca do período de fiscalização, podendo até mesmo renunciar a ele, o que ocorrerá no momento em que aprovarem o prazo de carência, o que sinaliza que se trata de norma dispositiva.

     No caso, a apresentação do plano de recuperação e a decisão que o homologou e concedeu a recuperação judicial são anteriores à entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020. E a Corte local, por sua vez, julgou o agravo de instrumento que deu origem ao recurso especial ao tempo em que já vigorava a nova redação da citada norma, tendo a aplicado.

     Sendo assim, tanto o plano de recuperação como a decisão que o homologou constituem atos processuais já praticados ao tempo em que a nova redação legislativa entrou em vigor, constituindo situação jurídica consolidada sob a vigência da norma revogada, conforme a chamada teoria do isolamento dos atos processuais.

     Por outro lado, o termo inicial do prazo de supervisão judicial ou o prazo máximo de carência previsto no plano são matérias que devem ser deliberadas em assembleia, não cabendo ao Poder Judiciário se imiscuir na vontade dos credores nesse aspecto.

     Assim, ainda que não se possa aplicar a nova redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 ao caso, observado o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil e a teoria do isolamento dos atos processuais, a hipótese é de manutenção da vontade dos credores ao aprovarem os termos do plano de recuperação judicial, com a previsão de carência de 48 (quarenta e oito) meses para início dos pagamentos, sem nenhuma ressalva quanto à prorrogação do termo inicial do prazo de supervisão judicial, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

9.        Inventário e uso exclusivo de imóvel: IPTU

Indexador

Disciplina: Direito Civil

Capítulo: Sucessões

Área

Magistratura

Defensoria Pública

MP

Cartórios

Destaque

Havendo fixação de indenização pelo uso exclusivo de imóvel do espólio, é indevido o desconto adicional do IPTU pago pelo espólio do quinhão do herdeiro ocupante, sob pena de dupla compensação e enriquecimento sem causa.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/3/2025.

Conteúdo-Base

???? Até a partilha, o espólio responde pelos tributos e encargos do imóvel, conforme os arts. 1.784, 1.791 e 1.997 do Código Civil.

???? A jurisprudência do STJ ite indenização pelo uso exclusivo do bem hereditário.

???? A indenização já compensa os demais herdeiros pela privação do uso comum.

???? O pagamento do IPTU pelo espólio não gera direito de abatimento adicional do quinhão da herdeira ocupante.

???? A ausência de ajuste prévio entre os herdeiros impede a cobrança cumulativa de despesas e uso exclusivo.

Discussão e Tese

???? O STJ avaliou se, além da indenização pelo uso exclusivo, seria possível descontar do quinhão do herdeiro ocupante os valores de IPTU pagos pelo espólio.

⚖️ Para o STJ:

• O desconto do IPTU implicaria duplicidade de compensação pelo mesmo fato.

• A indenização prévia cobre o uso exclusivo e não pode ser cumulada com novos descontos sem pacto.

• O desconto adicional configuraria enriquecimento sem causa da parte beneficiária.

Como será Cobrado em Prova

???? A fixação de indenização pelo uso exclusivo de imóvel não impede que os demais herdeiros descontem do quinhão do ocupante os valores de IPTU pagos pelo espólio.

❌ Errado. O STJ entende que essa cobrança cumulativa representa dupla compensação e é indevida sem prévio acordo.

???? O herdeiro que ocupa exclusivamente imóvel do espólio deve indenizar os demais, mas não pode ser onerado duplamente pela mesma circunstância.

✅ Correto. A jurisprudência veda a compensação duplicada e preserva o equilíbrio na partilha.

Versão Esquematizada

???? Inventário, Uso Exclusivo e IPTU
???? CC, arts. 1.784, 1.791, 1.997 – espólio responde por encargos ???? Indenização já compensa uso exclusivo ???? Sem acordo: vedado desconto adicional de IPTU ???? Vedação ao enriquecimento sem causa ???? Dupla compensação = indevida cumulatividade

Inteiro Teor

     A questão controvertida diz respeito à possibilidade de desconto, do quinhão hereditário de herdeira que utilizava com exclusividade o imóvel do espólio, dos valores pagos a título de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), mesmo quando fixada indenização pelo uso.

     Conforme dispõem os artigos 1.784 e 1.791 do Código Civil, a herança é transmitida como um todo unitário aos herdeiros, sendo que, até a partilha, os direitos de propriedade e posse permanecem indivisíveis, na forma de espólio. Isso significa que o espólio é quem deve arcar com as responsabilidades que decorrem da herança.

     O art. 1.997 do mesmo Código reforça essa ideia ao dispor que o espólio é responsável por todas as dívidas deixadas pelo de cujus, dentro dos limites da herança, até a realização da partilha.

     O fato de a obrigação decorrer do exercício do direito de propriedade e estar intrinsecamente ligada à coisa implica reconhecimento da existência de solidariedade entre os titulares do direito real de propriedade, pelo qual todos respondem pelas despesas da coisa. Desse modo, enquanto a partilha não ocorre, a responsabilidade pelo pagamento do IPTU deve recair sobre o espólio, matéria sobre a qual não há controvérsia nos autos.

     Em relação às obrigações entre os herdeiros, aquele que usufrui exclusivamente do imóvel pode ser compelido judicialmente a compensar os demais sucessores, visando a evitar o enriquecimento sem causa.

     A Terceira Turma do STJ consolidou o entendimento de que, quando o inventariante reside de forma exclusiva no imóvel em questão, impedindo o uso pelos demais herdeiros e não pagando aluguel ou indenização de espécie alguma, “não se mostra razoável que as verbas de condomínio e de IPTU, após a data do óbito do autor da herança, sejam custeadas pelos demais herdeiros, sob pena de enriquecimento sem causa, devendo, portanto, as referidas despesas serem descontadas do quinhão da inventariante” (REsp n. 1.704.528/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/8/2018, DJe 24/8/2018).

     No caso, conforme registrado no acórdão recorrido, já foi estabelecida indenização pelo uso exclusivo do imóvel. Ademais, não houve prévia estipulação entre as partes, seja quanto ao ressarcimento do IPTU ao espólio pelo herdeiro ocupante (art. 22, VIII, da Lei n. 8.245/1991), seja quanto a qualquer outra obrigação decorrente da ocupação do imóvel.

     Dessa forma, uma vez que a utilização exclusiva do bem foi objeto de compensação mediante o pagamento de indenização, não se justifica o desconto adicional dos valores de IPTU pagos pelo espólio do quinhão da herdeira ocupante a título de nova indenização. Tal desconto configuraria dupla indenização pelo mesmo fato (uso exclusivo do imóvel) e resultaria enriquecimento sem causa da outra herdeira, que receberia duas compensações pelo mesmo evento.

10.        Alienação fiduciária em garantia e inaplicabilidade da Súmula 308/STJ

Indexador

Disciplina: Direito Civil

Capítulo: Direito das Obrigações

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

A Súmula 308/STJ, que protege o comprador de imóvel contra hipoteca firmada entre incorporadora e agente financeiro, não se aplica por analogia à alienação fiduciária, pois esta transfere a propriedade do bem ao credor fiduciário.

REsp 2.130.141-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025.

Veja também: O fato de o compromisso de compra e venda de imóvel residencial não ser regulado pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) não afasta a incidência da Súmula 308 do STJ.

AgInt nos EDcl no REsp 1.992.417-AL, Rel. Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/10/2024, DJe 25/10/2024 (Info Extraordinário 23)

Conteúdo-Base

???? A hipoteca recai sobre bem alheio, enquanto a alienação fiduciária transfere a propriedade ao credor.

???? A proteção conferida pela Súmula 308/STJ é específica ao contexto do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

???? A venda de imóvel com garantia fiduciária sem anuência do credor é ineficaz em relação a este.

???? O negócio celebrado por terceiro de boa-fé com o devedor fiduciante não gera efeitos contra o proprietário fiduciário.

???? A analogia entre as garantias é vedada, pois há distinções estruturais e normativas relevantes.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se o entendimento da Súmula 308/STJ poderia ser aplicado por analogia a negócios envolvendo alienação fiduciária.

⚖️ Para o STJ:

• A alienação fiduciária transfere a titularidade do bem ao credor, diferentemente da hipoteca.

• A negociação feita sem anuência do credor fiduciário é ineficaz, mesmo diante da boa-fé do adquirente.

• A extensão da proteção sumular comprometeria a segurança jurídica do sistema de crédito imobiliário.

Como será Cobrado em Prova

???? A Súmula 308/STJ não pode ser aplicada por analogia aos casos de alienação fiduciária.

✅ Correto. O STJ entende que as garantias são distintas e a súmula não se aplica à alienação fiduciária.

???? O contrato de compra e venda celebrado pelo devedor fiduciante sem anuência do credor fiduciário é ineficaz em relação a este.

✅ Correto. A jurisprudência afirma a inoponibilidade da transação ao titular do domínio fiduciário.

Versão Esquematizada

???? Alienação Fiduciária e Efeitos perante Terceiros
???? Lei 9.514/1997 – propriedade resolúvel do credor fiduciário ???? Venda sem anuência = ineficácia frente ao credor ???? Boa-fé do terceiro é irrelevante ???? Súmula 308/STJ – inaplicável à alienação fiduciária ???? Segurança do crédito imobiliário exige distinção das garantias

Inteiro Teor

     A controvérsia se concentra na possibilidade de aplicação, por analogia, da Súmula n. 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aos casos envolvendo garantia por alienação fiduciária.

     A Súmula n. 308/STJ estabelece que a hipoteca firmada entre a incorporadora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não possui eficácia perante os adquirentes do imóvel.

     Nesse sentido, a hipoteca é um direito real de garantia que incide sobre um imóvel para assegurar o pagamento de uma dívida. Nesse caso, o devedor, proprietário do imóvel, concede ao credor o direito de preferência no recebimento do crédito em caso de inadimplência, mediante a constituição de uma garantia sobre o imóvel.

     Por outro lado, a alienação fiduciária é um instituto previsto na Lei n. 9.514/1997, que permite a transferência da propriedade do bem – no caso, o imóvel – ao credor fiduciário, geralmente instituição financeira, como garantia do contrato de financiamento ou empréstimo (art. 22). Nesse caso, o devedor fiduciante transfere a propriedade do imóvel ao credor até que a dívida seja quitada. Após o pagamento integral, a propriedade é transferida de volta ao devedor.

     Desse modo, para o credor fiduciário, a propriedade fiduciária representa direito real sobre bem próprio, sujeita a condição resolutiva, enquanto a hipoteca constitui direito real sobre bem alheio.

     Do ponto de vista do devedor, na alienação fiduciária, ele possui o direito de adquirir o imóvel, enquanto, na hipoteca, ele se mantém na propriedade do bem.

     As implicações principais dessas diferenças são a titularidade do bem oferecido como garantia e o desdobramento da posse. Assim, no caso da hipoteca, o devedor é tanto o proprietário quanto o possuidor direto do imóvel, enquanto o credor detém apenas direito real de garantia.

     Por outro lado, na propriedade fiduciária, há uma separação da posse, permitindo que o devedor possua o bem diretamente, além de ter o direito real de aquisição, enquanto o credor possui a propriedade sujeita a condição resolutiva e é o possuidor indireto.

     Infere-se daí que, quando o devedor hipotecário firma um contrato de promessa de compra e venda de imóvel com terceiro de boa-fé, ele está negociando bem do qual é proprietário. No entanto, essa situação distingue-se significativamente daquela do devedor fiduciante, uma vez que, ao negociar bem garantido fiduciariamente, venderá imóvel que pertence ao credor fiduciário.

     Logo, não há como justificar a aplicação da Súmula n. 308/STJ à alienação fiduciária diante do tratamento normativo distinto conferido aos devedores de ambas as garantias reais. Enquanto o devedor hipotecário detém a propriedade, o devedor fiduciante possui apenas a posse direta do imóvel, sendo, portanto, o negócio jurídico celebrado com terceiro de boa-fé ineficaz em face do proprietário do bem, o credor fiduciário.

     Esse é o entendimento pacífico desta Corte Superior, segundo a qual, na venda a non domino, o negócio jurídico realizado por quem não é dono não produz efeito algum em relação ao proprietário, havendo nulidade absoluta, impossível de ser convalidada pelo transcurso do tempo, sendo irrelevante a boa-fé do adquirente.

     Diante desse contexto, se o devedor fiduciante, por contrato de promessa de compra e venda ou de cessão de direito, negocia com terceiro de boa-fé bem imóvel de propriedade do credor fiduciário, tal transação não afeta a alienação fiduciária devidamente registrada por escritura pública. Consequentemente, torna-se inviável aplicar o entendimento sumular.

     A aplicação da Súmula n. 308/STJ aos contratos de alienação fiduciária pode gerar efeitos prejudiciais aos próprios consumidores, tendo em vista o aumento do risco percebido pelos agentes financeiros ao concederem financiamentos para aquisição de imóveis, com a consequente elevação do custo de crédito.

     Ainda há outro fator a ser considerado: a ratio decidendi dos precedentes que deram ensejo à Súmula n. 308/STJ está intrinsecamente ligada ao fato de o imóvel, dado como garantia hipotecária, ter sido adquirido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, o qual estabelece normas mais protetivas para as partes vulneráveis. Portanto, o entendimento sintetizado nessa nota sumular não se aplica aos casos em que a transação imobiliária foi realizada pelo Sistema Financeiro Imobiliário.

     Por fim, não é possível estender uma hipótese de exceção normativa para restringir a aplicação de regra jurídica válida. A Súmula n. 308/STJ criou uma exceção à regra geral do direito imobiliário sobre a prioridade registral, ao afirmar que a hipoteca celebrada entre a incorporadora e a instituição financeira não teria eficácia perante os adquirentes que conseguiram crédito por intermédio do Sistema Financeiro da Habitação.

     Por sua vez, há regra jurídica válida acerca da hipótese de negócio jurídico realizado pelo devedor fiduciante e seus efeitos sobre o adquirente da obrigação. A Lei n. 9.514/1997 é clara e literal ao exigir a anuência expressa do credor fiduciário para que o devedor fiduciante possa transmitir os direitos sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia.

     Essa transferência implica que o adquirente assuma todas as obrigações relacionadas ao imóvel em questão (art. 29). Por isso, se, por contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel ou de cessão de direitos, o devedor fiduciante negociou bem imóvel de titularidade do credor fiduciário sem sua expressa anuência, esse acordo apenas produzirá efeitos entre os contratantes.

11.       Desconsideração da personalidade jurídica e limites subjetivos

Indexador

Disciplina: Direito Civil / Direito Processual Civil

Capítulo: Responsabilidade Patrimonial

Área

Magistratura

Procuradorias

Defensoria Pública

Destaque

A desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50 do Código Civil não se aplica a terceiros que não possuam vínculo jurídico com as sociedades envolvidas, mesmo diante de alegações de confusão ou desvio patrimonial.

REsp 1.792.271-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 50 do CC permite a responsabilização de sócios ou de sociedades do grupo econômico, mas não de terceiros estranhos ao vínculo societário.

???? A responsabilização patrimonial de filhos dos sócios exige o uso de instrumentos próprios como a ação pauliana, com observância do contraditório.

???? A mera doação de bens pelos sócios a terceiros não autoriza, por si só, a extensão da desconsideração.

???? A fraude contra credores deve ser arguida via ação específica, não incidentalmente em execução.

???? A proteção ao devido processo legal impede responsabilização sem ação adequada e garantia de defesa.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou a possibilidade de atingir o patrimônio de filhos de sócios atingidos por desconsideração, com base em doações feitas após o surgimento da dívida.

⚖️ Para o STJ:

• A desconsideração não pode ser usada como substituto da ação pauliana.

• Não se pode presumir confusão patrimonial com terceiros sem vínculo formal.

• A responsabilização de terceiros exige ação própria, causa de pedir específica e contraditório efetivo.

Como será Cobrado em Prova

???? A responsabilização patrimonial de terceiros por fraude contra credores exige ação específica, não podendo ocorrer incidentalmente em execução.

✅ Correto. A jurisprudência exige procedimento autônomo com contraditório amplo.

???? A desconsideração da personalidade jurídica pode alcançar qualquer beneficiário de atos praticados pelos sócios, mesmo sem vínculo com a empresa.

❌ Errado. O STJ entende que terceiros sem vínculo jurídico com a sociedade não podem ser atingidos por desconsideração, salvo via ação própria.

Versão Esquematizada

???? Limites da Desconsideração da Personalidade Jurídica
???? Art. 50 do CC – aplicável apenas a sócios e sociedades do grupo ???? Terceiros não vinculados → necessidade de ação pauliana ???? Fraude contra credores: prova do consilium fraudis e eventus damni ???? Vedada responsabilização incidental em execução ???? Garantia ao devido processo e contraditório efetivo

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia à possibilidade de interpretação ampliativa do instituto da desconsideração da personalidade jurídica a fim de se atingir o patrimônio de terceiros – filhos dos sócios da devedora – beneficiados por atos de confusão e desvio patrimonial.

     No caso, o Tribunal de origem itiu que os irmãos recorrentes fossem atingidos pela desconsideração tão somente pelo fato de que seus pais, sócios nas empresas do grupo econômico e também atingidos pela desconsideração clássica da personalidade jurídica, realizaram doações de imóveis e em dinheiro aos referidos filhos. Limitou a responsabilidade dos recorrentes aos bens recebidos em doação ou adquiridos com dinheiro doado por seus pais em data posterior ao “saque do título exequendo”.

     A norma do art. 50 do CC/2002, na antiga e na atual redação, evidencia que a desconsideração da personalidade jurídica, destinada a relativizar a separação entre o sócio e a respectiva pessoa jurídica com o propósito de combater fraudes, desvios de patrimônio e confusão patrimonial, permite a responsabilização (i) de sócios por obrigações das respectivas empresas, (ii) de empresas por obrigações de sócios e (iii) de empresas por obrigações de outras pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico.

     Nesse sentido, inexiste previsão legal ou viabilidade de interpretação ampliativa com o propósito de aplicar a desconsideração para responsabilizar os filhos pelas obrigações dos pais, mesmo que estes tenham sido atingidos por desconsideração para adimplir obrigações de sociedades das quais fazem parte.

     Por outro lado, o reconhecimento da fraude contra credores pressupõe o ajuizamento de ação pauliana (CC/2002, art. 161), afigurando-se descabido declará-la em caráter incidental, no bojo de feito executivo e com amparo em normas jurídicas que disciplinam instituto diverso, somente concebido para afastar, de modo excepcional e em circunstâncias específicas, a proteção legal e a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios. Os requisitos e o procedimento para avaliar o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica não se confundem com as questões que são objeto da demanda na qual se decide sobre a fraude contra credores.

     De fato, “a desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101/05 e art. 165 do Código Civil de 2002)”. “A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica – ‘rectius’, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade” (REsp n. 1.180.191/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 5/4/2011, DJe de 9/6/2011).

     Ademais, no âmbito da ação pauliana, ajuizada com e em causa de pedir específica e pedido expresso para se reconhecer a ineficácia da alienação, o credor deve demonstrar o preenchimento dos requisitos legais para configurar a fraude, quais sejam o eventus damni, o consilium fraudis (ou scientia fraudis), e, além disso, a anterioridade da dívida, na medida em que o art. 158, § 2º, do CC/2002 dispõe que “[s]ó os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles”.

     No caso, os recorrentes – que não eram sócios das empresas devedoras e tampouco das outras sociedades que com aquelas formavam grupo econômico – receberam bens de seus pais em data anterior ao ajuizamento da demanda e, parte deles, antes mesmo do momento em que constituída a obrigação. Tanto por isso que o Tribunal de origem, no julgamento da apelação, afastou sua responsabilidade pelo débito propriamente dito e, além disso, determinou fossem levantadas as constrições incidentes sobre bens adquiridos por doação ou com dinheiro doado pelos pais em data anterior ao saque do título executivo. Ressalta-se ainda que a Corte local não afirmou confusão patrimonial entre as empresas devedoras e os recorrentes, senão apenas entre aquelas.

     A responsabilidade dos recorrentes deu-se em caráter puramente patrimonial, eis que somente foi declarada a ineficácia das alienações posteriores ao momento em que constituída a dívida. É dizer: embora tenha afirmado que estava desconsiderando a personalidade jurídica das empresas envolvidas, no que se refere aos recorrentes, o Tribunal local em verdade reconheceu a ocorrência de fraude contra credores, todavia sem que observado o procedimento previsto em lei.

     Nesse contexto, viola o devido processo legal declarar a ineficácia da alienação de bens, incidentalmente, a partir de um simples requerimento do credor, que afirma a prática de atos supostamente fraudulentos, todos eles ocorridos em data anterior ao ajuizamento da ação. Não pode fazê-lo o Judiciário, por sua vez, invocando instituto jurídico impertinente, que não serve ao reconhecimento da fraude contra credores.

     Dessa forma, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do CC/2002, não se presta para atribuir responsabilidade patrimonial a terceiros que não têm qualquer espécie de vínculo jurídico com as sociedades atingidas, ainda que se cogite da ocorrência de confusão ou desvio patrimonial, a ensejar suposta fraude contra credores.

12.     Execução de sentença coletiva substitutiva por associação

Indexador

Disciplina: Direito Processual Civil / Direito do Consumidor

Capítulo: Processo Coletivo

Área

Magistratura

Defensoria Pública

MP

Destaque

Na execução de sentença proferida em ação coletiva substitutiva, é obrigatória a apresentação de procuração individual pela associação que atua em nome dos beneficiários.

AgInt no REsp 1.438.257-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/3/2025, DJEN 31/3/2025.

Conteúdo-Base

???? A execução promovida por associação em nome de terceiros tem natureza representativa, e não mais substitutiva.

???? A legitimação extraordinária na fase de conhecimento não dispensa a apresentação de mandato na fase executiva.

???? A execução coletiva sem procuração viola o princípio da representação adequada.

???? O art. 97 do CDC assegura os efeitos da sentença a todos os beneficiários, mas não afasta os requisitos formais da execução.

???? É necessária a individualização dos exequentes e a juntada de seus instrumentos de mandato.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se a associação civil precisa juntar procurações individuais ao executar sentença coletiva proferida em ação coletiva substitutiva.

⚖️ Para o STJ:

• A atuação em nome próprio da associação, na fase de conhecimento, não se estende à execução em nome de terceiros.

• A execução exige poderes expressos, identificação dos beneficiários e obediência às normas de representação processual.

• A exigência de procuração não contraria a legitimação ampla da fase anterior, pois decorre de mudança na natureza da atuação.

Como será Cobrado em Prova

???? Na execução de sentença coletiva substitutiva, a associação autora pode promover a execução sem necessidade de mandato individual dos beneficiários.

❌ Errado. O STJ exige procurações específicas na execução, diante da natureza representativa dessa fase.

???? A atuação em nome próprio da associação, na fase de conhecimento, estende-se à execução em nome de terceiros.

❌ Errado. Na fase de execução a associação não atua em nome próprio, mas em substitituição.

Versão Esquematizada

???? Execução Coletiva Substitutiva – Requisitos
???? Fase de conhecimento: legitimação extraordinária (substituição) ???? Fase de execução: legitimação ordinária (representação) ???? CDC, arts. 81 a 100 ???? Exige: identificação dos exequentes + procurações ???? Inaplicabilidade do Tema 948/STJ para execuções representativas

Inteiro Teor

     A controvérsia consiste em saber se, na execução de sentença coletiva lavrada no julgamento de Ação Coletiva Substitutiva, é necessária a apresentação de procurações individuais pelas associações civis que atuam em nome dos terceiros exequentes.

     De início, é válido ressaltar que o Tema 948/STJ não se aplica ao caso, pois é à possibilidade de liquidação e execução pelo próprio beneficiado pela procedência do pedido, enquanto o caso em análise trata de execução individual coletivizada, proposta pela associação.

     Os Temas n. 82/STF e 499/STF também não são úteis, pois tratam de execução de Sentença Coletiva em Ação Coletiva Representativa, nas quais também é exigida a apresentação de procurações dos beneficiários das Sentenças Coletivas Representativas em execução. Ademais, tais temas dedicam-se a analisar caso de execução de Sentença Coletiva produzida no julgamento de Ação Coletiva Representativa-ACR, hipótese diversa do caso aqui versado: execução de Sentença Coletiva exarada no julgamento de Ação Coletiva Substitutiva-ACS.

     Observa-se também que a exigência de apresentação de procuração individualizada não se confunde com a legitimação genérica dada às associações civis, de promoverem a execução de Sentenças Coletivas Representativas e Substitutivas, cuja fase de conhecimento pode ter tido por objeto interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos, conforme a remissão feita pelos artigos 97 e 98 ao art. 82 e a deste ao art. 81, todos do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

     Com efeito, destaca-se que as associações civis, no âmbito do processo coletivo, podem atuar de TRÊS maneiras, cada qual com características próprias.

     A primeira forma de atuação das associações civis é como parte autora de ação civil pública ou de ação coletiva de consumo, de natureza substitutiva, quando, preenchidos os requisitos temporal e de pertinência temática, possuem ampla legitimidade ativa, por substituição, prescindindo da juntada de autorização e de procuração de seus associados ou de beneficiados. Agem, nesse caso, em nome próprio em defesa de direitos alheios.

     Como essa forma de atuação é reservada à fase de conhecimento, ela é impertinente ao presente caso, que cuida de fase de execução.

     A segunda forma de atuação, ainda por substituição e no âmbito do processo coletivo, é a de promover o recuperação fluida (fluid recovery), prevista no art. 100 do CDC, constituindo específica e acidental hipótese de execução coletiva de danos causados a interesses individuais homogêneos, caso não haja habilitação por parte dos beneficiários ou haja em número incompatível com a gravidade do dano, situação na qual os valores executados serão revertidos para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD, criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Também aqui, agem em nome próprio em defesa de direitos alheios.

     Como essa forma de atuação cuida de execução em prol de Fundo Público, não cabe, por óbvio a juntada de procurações.

     A terceira forma de atuação é de natureza representativa, quando promovem a execução da sentença coletiva em nome de terceiros, ainda que favorecendo um grande número de legitimados em um único processo, por questões de economia processual.

     Nessa hipótese, age, de forma ordinária, em nome de terceiros e defendendo interesses alheios, situação na qual se faz necessário a inclusão do nome dos interessados na autuação do processo, assim como a juntada de procuração específica para a prática de atos de disposição de direitos.

     Desse modo, essa é a forma de atuação que rege o caso em questão. A associação quando promove a fase de CONHECIMENTO da Ação Coletiva Substitutiva tem ampla legitimidade, prescindindo da apresentação de instrumento de representação de associados, porquanto os efeitos positivos da Sentença Coletiva se estendem a todas as vítimas e seus sucessores (art. 97 do CDC) independentemente de filiação à associação autora da ação.

     Por outro lado, quando executa a sentença coletiva de forma coletivizada, sua atuação perde a natureza substitutiva, adquirindo feição REPRESENTATIVA, daí a necessidade de instrução da inicial com os instrumentos de representação (procuração) de todos aqueles beneficiários listado na inicial.

13.     Busca e apreensão sem mandado físico: ilicitude da prova obtida

Indexador

Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Provas

Área

Magistratura

Defensoria Pública

MP

Carreiras Policiais

Destaque

A ausência do mandado físico de busca e apreensão, mesmo havendo autorização judicial prévia, compromete a legalidade da diligência e torna ilícitas as provas colhidas.

AgRg no HC 965.224-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 241 do P exige expedição formal de mandado para cumprimento de busca domiciliar por terceiros.

???? A jurisprudência do STJ reafirma a imprescindibilidade do mandado físico, ainda que haja decisão autorizadora nos autos.

???? A ausência do documento físico impede o controle da legalidade no momento da diligência.

???? O vício compromete a validade da apreensão e contamina as provas subsequentes.

???? A regularidade da medida exige observância estrita da forma legal.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se a inexistência do mandado físico invalidava busca e apreensão autorizada judicialmente.

⚖️ Para o STJ:

• A busca deve ser acompanhada do mandado físico, salvo se realizada pessoalmente pelo juiz ou delegado.

• A autorização judicial prévia não supre a ausência do instrumento formal.

• A diligência sem mandado compromete o devido processo e o controle externo da legalidade.

Como será Cobrado em Prova

???? A autorização judicial constante dos autos é suficiente para legitimar a busca domiciliar, mesmo sem a expedição do mandado.

❌ Errado. O STJ entende que a autorização deve se materializar em mandado físico, conforme o art. 241 do P.

???? A ausência do mandado físico, desde que havendo decisão judicial prévia, é mera irregularidade que não macula a busca domiciliar e as provas obtidas.

❌ Errado. A jurisprudência exige cumprimento formal (formalíssimo) das exigências legais para validade da medida.

Versão Esquematizada

???? Busca e Apreensão – Formalidade Legal
???? P, art. 241 – exigência de mandado físico ???? Autorização judicial ≠ substituição do mandado ???? Falta do documento invalida diligência e prova ???? Prova ilícita e nula: efeito contaminante ???? Preservação da legalidade e do controle externo

Inteiro Teor

     A controvérsia consiste em saber se a ausência de mandado de busca e apreensão compromete a legalidade da diligência, mesmo havendo autorização judicial prévia.

     Na dicção do art. 241 do P, quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado. Em outras palavras, o mandado não é algo dispensável, mas essencial ao adequado cumprimento da diligência judicialmente determinada.

     Dessa forma, falece legitimidade a quem deu cumprimento à determinação judicial não materializada no mandado de busca e apreensão, já que a despeito das prévias investigações que deram ensejo à decisão que determinou a busca, a formalidade de expedição do mandado não foi cumprida, de modo que são inválidos todos os elementos de prova colhidos neste ato.

     Nesse sentido, “A obtenção de elementos de convicção ou de possíveis instrumentos utilizados na prática de crime – ainda que seja ao tempo do cumprimento da ordem de prisão no domicílio do réu – exige autorização judicial prévia, mediante a expedição do respectivo mandado de busca e apreensão (art. 241 do P), no qual devem ser especificados, dentre outros, o endereço a ser diligenciado, o motivo e os fins da diligência (art. 243 do P), o que, no entanto, não ocorreu” (RHC n. 153.988/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/4/2023 , DJe de 19/4/2023).

     Portanto, a ausência de mandado físico, ainda que com autorização judicial prévia, compromete a legalidade da busca e apreensão, tornando ilícitas as provas obtidas.

14.    Busca domiciliar sem mandado e consentimento verbal: validade excepcional

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Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Provas

Área

Magistratura

Ministério Público

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Destaque

É válida a busca domiciliar autorizada verbalmente pela companheira do investigado, mesmo sem registro escrito ou audiovisual, quando confirmada por depoimentos policiais coerentes e ausente qualquer indício de abuso.

AgRg no RHC 200.123-MG, Rel. p/ Acórdão Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. originária Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, por maioria, julgado em 26/2/2025, DJEN 12/3/2025.

Veja também (em sentido diverso/diferente): A permissão para ingresso no domicílio, proferida em clima de estresse policial, não deve ser considerada espontânea, a menos que tenha sido por escrito e testemunhada, ou documentada em vídeo.

REsp 2.114.277-SP, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), por unanimidade, Sexta Turma, julgado em 9/4/2024. (Info 807 STJ)

Conteúdo-Base

???? O Tema 280/STF permite o ingresso domiciliar sem mandado, desde que haja fundadas razões justificadas posteriormente.

???? A jurisprudência do STJ ite consentimento verbal, desde que validado por prova testemunhal coerente e ausência de abuso.

???? O depoimento de policiais goza de presunção relativa de veracidade.

???? O tráfico de drogas é crime permanente, justificando a busca domiciliar sem mandado em estado de flagrância.

???? A autorização verbal não exige forma escrita ou audiovisual, desde que cercada de garantias mínimas de legalidade.

Discussão e Tese

???? O STJ avaliou se o consentimento verbal da companheira do acusado, sem documentação, seria suficiente para legitimar a busca domiciliar.

⚖️ Para o STJ:

• A validade depende da presença de fundadas razões e da ausência de indícios de coação ou abuso.

• A prova testemunhal coerente e a ausência de contradições confirmam a legalidade da diligência.

• O formalismo excessivo não pode impedir a eficácia da repressão penal legítima.

Como será Cobrado em Prova

???? O consentimento para ingresso domiciliar só é válido se documentado por escrito ou audiovisual.

❌ Errado. O STJ ite o consentimento verbal, desde que confirmado em juízo e sem indícios de irregularidade.

???? A autorização verbal para busca domiciliar é válida quando confirmada por relatos policiais compatíveis e ausência de abuso de autoridade.

✅ Correto. A jurisprudência legitima a diligência com base na razoabilidade e no conjunto probatório.

Versão Esquematizada

???? Busca Domiciliar sem Mandado – Consentimento Verbal
???? Tema 280/STF – flagrante + fundadas razões ???? Consentimento verbal: issível com provas coerentes ???? Presunção relativa de veracidade dos agentes ???? Tráfico = crime permanente ???? Ausência de abuso e confirmação judicial → diligência válida

Inteiro Teor

          A questão submetida a julgamento versa sobre a legalidade de busca domiciliar, sem mandado judicial, realizada com base em reiteradas denúncias anônimas e com autorização para ingresso ao domicílio realizada pela companheira do acusado.

     Conforme consignado nos autos do caso em questão, os policiais militares receberam reiteradas denúncias anônimas detalhadas acerca de tráfico de drogas praticado pelo acusado.

     Durante patrulhamento, os agentes abordaram o acusado em via pública, encontrando em sua posse uma arma de fogo municiada, tendo o próprio indivíduo confessado guardar cocaína em sua residência, indicando sua localização precisa.

     Em seguida, o ingresso no domicílio foi autorizado pela companheira do agravado, conforme declarado pelos policiais e registrado em depoimento. Tais circunstâncias revelam o conjunto de elementos objetivos e contemporâneos que caracterizam o estado de flagrância, indispensável para justificar a busca domiciliar.

     A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é clara ao afirmar que a entrada em domicílio sem mandado judicial é lícita quando há fundadas razões, posteriormente demonstradas, que indiquem a prática de crime no interior do imóvel, especialmente em casos de flagrante delito envolvendo crimes permanentes, como o tráfico de drogas (Tema n. 280/STF de Repercussão Geral – RE 603.616-RO).

     No caso, o conjunto probatório produzido evidencia a conformidade da diligência policial com os parâmetros constitucionais. A apreensão de arma de fogo na posse do agravado e sua confissão sobre a droga armazenada no imóvel constituem elementos suficientes para justificar o ingresso no domicílio sem necessidade de prévia autorização judicial. Ademais, a autorização verbal de sua companheira reforça a legalidade da operação, não havendo exigência de consentimento documentado por escrito ou audiovisual para a sua validade, conforme reconhecido pela Suprema Corte (RE 1447045 AgR, Relator(a): Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 2/10/2023, Processo Eletrônico, DJe-s/n Divulg. 6/10/2023 Public 9/10/2023).

     Destaca-se, ainda, que os relatos dos agentes públicos envolvidos, revestidos de presunção de veracidade, foram coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos, inexistindo indícios de abuso ou desvio de finalidade por parte da atuação policial.

     Ademais, o tráfico de drogas, por sua natureza permanente, justifica a continuidade do estado de flagrância e as medidas necessárias para sua repressão, inclusive a busca domiciliar sem mandado judicial.

     Logo, o reconhecimento da validade da busca domiciliar é imprescindível para a manutenção da ordem pública e da eficácia no combate ao tráfico de drogas, evitando que formalidades excessivas impeçam a atuação legítima das autoridades policiais e promovam a impunidade.

15.     Roubo noturno e dosimetria da pena: irrelevância do horário

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Disciplina: Direito Penal

Capítulo: Dosimetria da Pena

Área

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MP

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Destaque

A prática de roubo à noite, por si só, não justifica a exasperação da pena-base, pois o horário não representa, isoladamente, maior gravidade do modus operandi.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 59 do Código Penal prevê a valoração das circunstâncias do crime com base na gravidade do modus operandi.

???? A jurisprudência do STJ veda a exasperação da pena apenas com base no horário da infração.

???? O fato de o crime ocorrer à noite não configura, por si só, circunstância negativa judicial.

???? A exasperação exige elementos concretos que demonstrem maior reprovabilidade na forma de execução.

???? Aplicação automática da circunstância viola os princípios da individualização e da proporcionalidade.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se o cometimento de roubo à noite justifica, isoladamente, a elevação da pena-base.

⚖️ Para o STJ:

• O horário do crime só pode agravar a pena se inserido em contexto que revele maior periculosidade.

• A ausência de justificativa concreta inviabiliza o uso do critério como agravante.

• A mera redução de circulação de pessoas não é elemento idôneo para agravar a pena.

Como será Cobrado em Prova

???? O critério temporal do delito não pode ser valorado negativamente sem fundamentação concreta sobre o modus operandi.

✅ Correto. A jurisprudência exige motivação específica e elementos adicionais para a exasperação.

???? A prática de roubo à noite autoriza a fixação da pena-base acima do mínimo legal.

❌ Errado. O STJ entende que o horário isolado não revela maior gravidade do crime.

Versão Esquematizada

???? Dosimetria e Horário do Crime
???? , art. 59 – valoração das circunstâncias do crime ???? Horário noturno: irrelevante isoladamente ???? Exasperação exige fundamentação concreta ???? STJ: vedada automatização de agravantes ???? Princípios: individualização e proporcionalidade

Inteiro Teor

     A questão em discussão consiste em saber se a prática de roubo no período noturno, por si só, justifica a exasperação da pena-base.

     No caso, o Tribunal de origem entendeu que a circunstância judicial referente às circunstâncias do crime deveria ser valorada como negativa, sob o fundamento de que “o assalto foi praticado durante o período noturno, por volta de 22h47min, o que facilitou a prática delituosa, tendo em vista que se trata de período de pouca visibilidade e de menor circulação de pessoas em via pública”.

     Com efeito, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as circunstâncias do crime como circunstância judicial referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi (AgRg no AREsp n. 2.744.847/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJe de 4/12/2024).

     Ocorre que a mera alegação de que o delito foi praticado no período noturno, por volta de 22 horas, não é circunstância reveladora da maior gravidade do modus operandi.

     Nesse sentido, já decidiu a Quinta Turma do STJ que “Não pode o fato de o delito ter sido praticado à noite, por si só, ser levado em consideração como circunstância negativa, pois referido raciocínio levaria ao aumento também quando o delito fosse cometido à luz do dia, havendo, portanto, sempre uma exasperação da pena” (HC n. 181.381/MS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 4/9/2012, DJe 11/9/2012).

16.     Prisão preventiva e ausência de fundamentação na sentença

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Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Prisão Cautelar

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Ministério Público

Destaque

É inválida a manutenção da prisão preventiva na sentença condenatória desacompanhada de fundamentação concreta, sendo vedada sua complementação pelo Tribunal em habeas corpus.

RHC 212.836-RS, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/3/2025, DJEN 27/3/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 387, § 1º, do P exige fundamentação expressa para manutenção da prisão na sentença.

???? A jurisprudência do STJ veda a convalidação posterior da omissão por fundamentos inseridos no julgamento do habeas corpus.

???? A ausência de motivação autônoma na sentença acarreta constrangimento ilegal.

???? O tribunal revisor não pode suprir fundamentação originária inexistente.

???? O habeas corpus não pode ser usado para legitimar decisão nula do juízo sentenciante.

Discussão e Tese

???? O STJ discutiu se o tribunal pode acrescentar fundamentos à sentença que manteve a prisão preventiva sem motivação concreta.

⚖️ Para o STJ:

• A prisão preventiva exige fundamentação individualizada e atual.

• A sentença sem motivação concreta para manter a prisão é nula nesse ponto.

• A complementação feita no julgamento do habeas corpus viola o devido processo legal.

Como será Cobrado em Prova

???? A manutenção da prisão preventiva na sentença pode ser fundamentada posteriormente pelo tribunal, desde que haja base nos autos.

❌ Errado. O STJ afirma que a fundamentação deve constar expressamente da sentença, sob pena de nulidade.

Versão Esquematizada

???? Prisão Preventiva na Sentença
???? P, art. 387, § 1º – fundamentação obrigatória ???? Omissão → constrangimento ilegal ???? Tribunal não pode complementar em habeas corpus ???? Julgamento posterior não sana vício da origem ???? Preservação do devido processo e motivação judicial

Inteiro Teor

     O art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal prevê que, ao proferir sentença condenatória, o juiz deverá decidir, fundamentadamente, sobre a imposição ou a manutenção da prisão preventiva ou de outra medida cautelar.

     No caso, na sentença condenatória, não há fundamentação concreta para a manutenção da segregação cautelar, limitando-se o Juízo de primeiro grau a mencionar a quantidade de pena aplicada, sem nem sequer pontuar que persistiriam os motivos autorizadores da custódia cautelar, circunstância que evidencia constrangimento ilegal e justifica a revogação da prisão cautelar.

     Não bastasse, verifica-se que o Tribunal de origem indevidamente acresceu fundamentação para a denegação da ordem com o fim de suprir a omissão do Juízo de origem, legitimando indevidamente o ato coator.

     A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não cabe ao Tribunal de origem acrescer fundamentos no julgamento do habeas corpus originário para suprir omissão do juízo sentenciante.

     Nessa direção, “…o acréscimo de fundamentos na via do habeas corpus, pelo Tribunal local, não se presta a suprir a ausente motivação do Juízo natural, sob pena de, em ação concebida para a tutela da liberdade humana, legitimar-se o vício do ato constritivo ao direito de locomoção do paciente.” (AgRg no HC 903.795/RO, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 4/9/2024).

17.    Prova testemunhal policial e confissão extrajudicial: valoração racional

 

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Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Provas

Área

Magistratura

Ministério Público

Defensoria Pública

Carreiras Policiais

Destaque

O testemunho de policiais pode fundamentar a condenação penal, desde que racionalmente valorado em conjunto com outros elementos de prova; a invalidez da confissão extrajudicial não impede a condenação quando há conjunto probatório suficiente.

HC 898.278-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 155 do P exige que a condenação se funde em provas produzidas sob contraditório judicial.

???? A jurisprudência do STJ reconhece validade ao testemunho policial, desde que submetido à valoração crítica e contextual.

???? A confissão extrajudicial isolada, sem corroboração em juízo, é prova imprestável.

???? A condenação pode se fundar no depoimento de policiais e testemunhas idôneas, mesmo sem confissão válida.

???? A credibilidade do policial não é automática, mas tampouco é presumidamente inválida.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se a ausência de confissão válida impedira a condenação por posse irregular de arma de fogo.

⚖️ Para o STJ:

• O testemunho policial é issível e pode fundamentar a condenação, se coerente com o conjunto probatório.

• A prova testemunhal foi confirmada pela declaração do genitor do réu.

• A análise deve ser racional, contextual e isenta de preconceito automático.

Como será Cobrado em Prova

???? O testemunho prestado por policiais é insuficiente para fundamentar uma condenação penal, por ausência de imparcialidade.

❌ Errado. O STJ reconhece a validade do depoimento de policiais, desde que valorado criticamente e em contexto.

???? Ainda que a confissão extrajudicial seja inválida, é possível a condenação com base em provas testemunhais consistentes e produzidas sob contraditório.

✅ Correto. A jurisprudência ite a condenação quando há prova judicial segura, mesmo sem confissão válida.

Versão Esquematizada

???? Validade da Prova Policial e Confissão Invalida
???? P, art. 155 – prova judicializada ???? Confissão extrajudicial isolada = imprestável ???? Testemunho policial = prova válida se coerente ???? Análise racional e conjunta do acervo probatório ???? Credibilidade policial: nem automática, nem afastada a priori

Inteiro Teor

     No caso, o paciente foi condenado pelo delito previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/2003. Pode-se resumir a dinâmica dos fatos como um encontro de arma de uso permitido acompanhada de 10 cartuchos para os quais, contudo, o acusado não tinha autorização de uso. O paciente confessou o crime em seu interrogatório.

     Na sentença, o Juízo decidiu pela condenação pois, entre a versão alterada do réu e a versão constante dos policiais, conferiu o magistrado credibilidade aos segundos. Na ocasião, o acusado muda a sua versão para dizer que a arma, em realidade, seria do pai, e não dele. O próprio genitor inclusive volta a dizer que a arma era do filho.

     Em que pese a defesa tenha razão ao apontar para a imprestabilidade probatória da confissão extrajudicial, disso não se deve concluir que o réu mereça ser absolvido. Isso porque, ao contrário do afirmado pela defesa, há provas suficientes das quais pode-se concluir pela culpabilidade do acusado: os testemunhos dos policiais somados à declaração oferecida pelo pai, todas prestadas em juízo, vão no mesmo sentido.

     É importante esclarecer que no processo penal não há que se defender extremos; nem de automática credibilidade, nem de automática rejeição à palavra do policial. O testemunho policial pode, sim, servir de prova em um processo criminal, devendo, para tanto, ter seu conteúdo racionalmente valorado.

     No presente processo, a versão dos fatos apresentada pelos policiais, segundo a qual a arma e os projéteis pertenceriam ao paciente, foi corroborada pelo pai do acusado. Por sua vez, a afirmação feita pelo genitor do réu de fato merece credibilidade: a arma não seria dele, funcionário público de reputação ilibada, e sim de seu filho, quem já ostenta outros crimes, conforme se verifica por sua folha de antecedentes, e quem teria motivos para, por meio de uma negativa falsa oferecida em juízo, tentar se evadir de sua responsabilidade penal.

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